A tecnologia aplicada à educação, na perspectiva inclusiva

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Por Maria Teresa Eglér Mantoan. O desenvolvimento de projetos e estudos que resultam em aplicações de natureza educacional e clínico-terapêutica/reabilitacional , especialmente os que envolvem o uso de tecnologia, são, no geral, centrados em situações locais e tratam de incapacidades, de deficiências específicas. Servem para compensar dificuldades de adaptação, cobrindo déficits de visão, audição, mobilidade, compreensão, entre tantas. Tais aplicações, na maioria das vezes, conseguem reduzir as incapacidades, atenuar os déficits: fazem falar, andar ouvir, ver, aprender. Mas tudo isto só não basta. Daí propormos de um acordo da tecnologia com a educação, um encontro entre duas áreas que se propõem a integrar seus propósitos e conhecimentos, buscando complementos uma na outra e com base em pressuposto inclusivos.

A ciência tem sido uma grande parceira dos movimentos sociais que atuam no sentido de criar condições propícias à educação e aos suportes de toda a ordem que as pessoas com deficiência necessitam para viver com autonomia e independência possíveis a cada caso. Essa parceria alcança o sucesso desejado quando consegue atender às necessidades humanas e devolver a cidadania a pessoas em situação de marginalização e de isolamento em razão de uma deficiência, libertando-as da exclusão de natureza política, social, econômica e cultural. Temos, então que direcionar esse encontro e promover uma discussão técnica com um norte filosófico bem definido , baseado em princípios que recusam toda e qualquer forma de exclusão social e toda e qualquer atitude que discrimine e segregue as pessoas.

A exclusão social é uma realidade, mesmo quando as pessoas estão devidamente apoiadas pelos avanços da tecnologia aplicada à educação e à reabilitação. Incluir não é simplesmente inserir uma pessoa na sua comunidade e nos ambientes destinados à sua educação. Implica em acolher a todos os membros de um dado grupo, independentemente de suas peculiaridades – é considerar que somos todos seres singulares, únicos, diferentes uns dos outros e, portanto, sem condições de sermos categorizados. A inclusão, é um movimento que preconiza o Meio Mais Favorável Possível para a o desenvolvimento de todas as pessoas, sem ou com incapacidades, Como princípio aplicado ao atendimento escolar, ao clínico, ao ocupacional-laboral, a inclusão é incondicional e não prevê nenhum atendimento ou produto específico para pessoas com deficiência. Essa teoria contrapõe-se ao que se conhece como teoria do Meio Menos Restritivo Possível, que indica serviços individualizados de solicitação do desenvolvimento e de reabilitação de natureza excludente, praticados nos atendimentos de apoio para as pessoas com deficiência. Nessa concepção, a inserção da pessoa com deficiência é condicionada às suas capacidades e condições de preencher as exigências de uma sociedade padronizada, que não muda e que restringe a participação plena de alguns de seus membros, por não corresponderem à sua regularidade.

A Convenção Interamericana para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra Pessoas Portadoras de Deficiência promulgada no Brasil pelo Decreto no. 3.956, de 8 de outubro de 2001, esclarece em seu Artigo I. que a discriminação contra essas pessoas significa toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência com o propósito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício dos direitos humanos e liberdades fundamentais de tais pessoas. A diferenciação pela deficiência não constitui discriminação, quando não limita o direito à igualdade dessas pessoas e quando elas não são obrigadas a aceitar tal diferenciação.

O caso da acessibilidade, por exemplo, entendida como: “a possibilidade de utilização, com segurança e independência de edificações, espaços urbanos e mobiliários por pessoas com deficiência” ilustra bem o efeito da inclusão sobre as concepções arquitetônicas. A inclusão motivou os arquitetos e designers a criarem o Desenho Universal, que se destina a todas as pessoas, inclusive as que têm uma incapacidade permanente ou temporária da mobilidade e de deslocamento no espaço social. O Desenho Universal foi concebido para atender às necessidades de homens, mulheres, crianças, velhos e considera aspectos antropométricos, para desenhar ambientes em que as pessoas possam se acomodar, independentemente de suas medidas – altos, baixos, gordos, magros, em diferentes posições – sentado, em pé… Considera também que os produtos possam ter peças opcionais, intercambiáveis, de modo que permitam o uso de acessórios que atendam a necessidades emergentes de pessoas com diferentes necessidades. O Desenho Universal não é, pois, uma concepção arquitetônica dirigida somente a pessoas com deficiência. Ele precisa ser bonito, atraente, estético e muitas vezes lúdico; os produtos devem, acima de tudo, visar a autonomia das pessoas em geral. O desafio da inclusão para os arquitetos e designers envolvidos com o Desenho Universal consiste em projetar artefatos que não sirvam apenas para alguns; elaborar programas escolares, serviços de apoio para atender a certos grupos e categorias de pessoas. A proposta não é a de homogeneizar pessoas e apresentar soluções previamente definidas e estabelecidas em função de suas dificuldades.

A inclusão, nos faz avançar sempre mais, dado que não se satisfaz em atender apenas aos casos particulares, mas busca o equilíbrio geral, as grandes e tão almejadas soluções que atingem fins qualitativamente mais evoluídos, como reconhecemos no Desenho Universal. Estende-se ao campo da criação de novas tecnologias, de projetos e desenvolvimento de aplicações, de modo que sejam mais amplas e potentes e consigam corresponder às necessidades humanas em geral. O uso da tecnologia aplicada à educação precisa seguir o mesmo caminho.

Em outras palavras, não basta que se planejem e se executem os mais sofisticados projetos e equipamentos para esta ou aquela deficiência ou incapacidade. O que se pretende é que a tecnologia não se especialize em problemas, mas na problemática humana e que ao solucionar um problema não esteja discriminando esta ou aquela pessoa, mas buscando o mais amplo leque de possibilidades de aplicação e uso das situações com que se deparam os seres humanos em geral, para se adaptarem, ao que lhes é externo, garantindo-lhes a participação plena no meio em que vivem. A proposta inclusiva provoca uma “virada” na maneira de se engendrar projetos em todas as áreas do conhecimento e no modo pelo qual nos relacionamos conosco mesmos e com os outros. De fato, esse novo paradigma toca, portanto, o terreno dos relacionamentos científicos, tecnológicos entre si e com outros campos da atividade humana, ao idealizarmos, construirmos novos projetos.

Ainda predomina nesses momentos a justaposição de contribuições, oriundas de áreas diferentes de conhecimento. Acontece, então, o que é costumeiro, ou seja, a adoção de um posicionamento multidisciplinar para embasar as novas propostas .

No encontro entre tecnologia e educação pretendemos que as discussões promovam a fusão entre essas duas áreas, mas buscando uma área interdisciplinar, uma intersecção entre ambas, que sintetize as proposições e contribuições de cada uma e que possa redimensionar e redirecionar nossas produções.

Nunca esquecer que a cor verde, não é a o azul listrado de amarelo!   Fusão não é justaposição. No caso da inclusão escolar, o ensino especial não se agrega ao ensino comum, simplesmente; acontece uma revolução no sistema educacional vigente pela interpenetração dessas duas modalidades entre si.

O que estamos implementando com sucesso no ensino público brasileiro, fundamentados em trabalhos conjuntos do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença – LEPED, da Faculdade de Educação com o Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas /UNICAMP – Brasil[1] e com outros centros nacionais e internacionais da interessados em questões correlatas, tem origem nesta concepção revolucionária e fascinante, que implica a busca de um espaço de trabalho e de atuação comuns, que não fere os direitos humanos e que expande suas contribuições para todos, sem diferenciações. É um desafio instigante, que vale a pena ser enfrentado.

Esperamos que o mesmo possa acontecer cm outras áreas do conhecimento, seja na concepção de produtos, ferramentas tecnológicas, como nos serviços de apoio e de natureza eminentemente terapêutica.

As inovações provocadas pelo princípio da inclusão, como norteador de iniciativas em favor do desenvolvimento e da promoção humanos estão promovendo encontros entre os quais este, que aqui propomos.

A descoberta e a criação de novas e arrojadas soluções tecnológicas só se justificam quando voltadas para o bem estar e para a felicidade de todos, indistintamente.

[1] Todos Nós – UNICAMP Acessível. Disponível em:www.todosnos.unicamp.br.

Acesso em 29 de janeiro de 2015.

Redes Sociais e Autonomia Profissional. Disponível em: http://tnr.nied.unicamp.br/.

Acesso em 29 de janeiro de 2015.

Maria Teresa Eglér Mantoan es docente en la Faculdade de Educação - Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP/Brasil

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